Acordos de Compartilhamento de Risco são possíveis no Sistema Único de Saúde brasileiro?
- Publicado: 19 Março 2019
Anunciada pelo Ministro da Saúde, Henrique Mandetta, no final de fevereiro, nova modalidade de compra será adotada pela primeira vez Sistema Único de Saúde
Nos sistemas de saúde universais, a incorporação de tecnologias é um processo complexo que demanda estudos minuciosos, baseados em uma série de metodologias e diretrizes estabelecidas no campo científico da Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS). No Brasil, desde 2011, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias – CONITEC utiliza a ATS para avaliar a inclusão de tecnologias de saúde no SUS.
Mesmo com todas as etapas necessárias para a realização de um estudo de ATS, que incluem revisões sistemáticas da literatura e avaliações econômicas, dentre outras metodologias, a adoção de uma tecnologia pode trazer incertezas, principalmente quando a evidência na literatura é escassa, ou ainda quando existem lacunas quanto ao desempenho no mundo real, ou seja, no cotidiano dos pacientes e não somente em estudos clínicos com pessoas e ambientes controlados. Essas dificuldades podem ser sanadas por meio de medidas alternativas que visam gerar evidências adicionais sobre o valor terapêutico das tecnologias. O acordo de compartilhamento de risco é uma dessas medidas e está entre as mais utilizadas em países com sistema universal de saúde.
Diferentemente dos acordos tradicionais, em que o estado, pagador, arca integralmente com os riscos de uma incorporação (principalmente nos casos de incertezas em relação aos benefícios da tecnologia no mundo real), e o produtor, a indústria, somente fornece a tecnologia, no compartilhamento de risco há uma celebração de contrato entre o Estado e a Indústria. Nesse modelo, ambos envolvidos concordam que a definição do preço da tecnologia se dará no futuro, conforme os resultados apresentados a partir dos dados de mundo real, referentes ao uso da tecnologia pela população.
Para isso, o pagamento da tecnologia está ligado à apresentação de evidências dos efeitos reais, ou seja, em como a tecnologia ao ser utilizada impacta na saúde e na qualidade de vida do paciente. Nessa modalidade, portanto, não se considera apenas os resultados de estudos controlados utilizados na ATS, mas os resultados produzidos com o uso da tecnologia no dia a dia dos pacientes (estudos observacionais). Assim, o Estado e a Indústria compartilham a responsabilidade pelas incertezas em relação aos benefícios com o uso da tecnologia.
Um dos primeiros Acordos de Compartilhamento de Risco foi noticiado pelo jornal The New York Times com o título “Pricing Pills by the Results”. O artigo publicado pelo jornal em 2007, discute a modalidade praticada entre o National Health Service (NHS) do Reino Unido e a indústria Johnson & Johnson, fabricante do medicamento bortezomibe (Velcade®) para o tratamento de mieloma múltiplo. Muitos países que possuem sistema universal de saúde, possuem essa forma de compra, destacando-se o Reino Unido, Itália, Austrália, entre outros.
No Brasil, atualmente, existe uma tese (10) de doutorado publicada pela pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Drª Renata Curi Hauegen, que discute as medidas contratuais mínimas necessárias em um acordo de compartilhamento de risco, tais como: as tratativas entre as partes envolvidas no contrato; o contrato propriamente dito; e as cláusulas contratuais, como o preço e a forma de pagamento, análise de desempenho, despesas para custeio do esquema de tratamento, confidencialidade, saída do acordo, governança, vigência e a normatização do acordo. Além disso, foram elencados modelos de sucesso e fracasso na condução de medidas alternativas realizadas entre países com sistemas de saúde universais e a Indústria.
Esse tema será discutido no próximo SIGREBRATS, no dia 26 de março, videoconferência, realizada pela Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde (REBRATS), coordenada pelo Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (DGITS) do Ministério da Saúde em conjunto com a Rede Universitária de Telemedicina (Rede RUTE), que contará com a participação da Drª Renata Curi Hauegen e do consultor técnico do DGITS Paulo Henrique Ribeiro Fernandes Almeida.