7 de abril de 2016 –  O secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE),  Eduardo de Azevedo Costa, do Ministério da Saúde, redigiu o artigo ‘Quatro focos no Aedes’.

Confira:

QUATRO FOCOS NO AEDES

Em busca de novas tecnologias e metodologias de combate à microcefalia, zika e ao mosquito transmissor.

A história do Aedes aegypti (Aa) e dos vírus que transmite no Brasil é rica e antiga. É com olhar nela que podemos pensar numa estratégia de médio e longo prazo para o seu controle.
São quatro os focos dessa estratégia.

FOCO NA LARVA
A introdução do Aa e da febre amarela urbana remonta à escravidão, aos navios negreiros. Esquecendo o período colonial e imperial em que se procurava evitar as epidemias acendendo fogueiras nas praças, a história moderna da saúde pública e do combate com base científica remonta ao início do século passado.

Foi Rodrigues Alves que concedeu a um personagem que foi de  controverso a imortalizado, Oswaldo Cruz, a oportunidade de montar seu exército de 5.000 agentes sanitários, cobrindo todas as casas e focos extradomiciliares do Aa no Rio de Janeiro, sem restrições de qualquer ordem.

A febre amarela no Rio de Janeiro, como em Santos mais tarde, em poucos anos deixaria de constar do obituário, mas o Aa estava disseminado no país e o estoque de vírus da floresta amazônica, ou mesmo a transmissão  urbana no interior e no norte/nordeste asseguraria muitas epidemias nos anos seguintes, culminando com a de 1928/ 29 no Rio de Janeiro.

Mas não havia unidade de ação nacional com os estados membros e o mosquito se evadia e voltava circulando, junto com o comércio e os transportes.

Com a revolução de 30 nascia as bases de um regime federativo no país. A saúde pública com Barros Barreto seria centralizada e inicia-se um  período  de campanhas sanitárias nacionais visando  controlar as grandes epidemias e endemias transmissíveis. O  DNERu é criado (depois sucedido pela SUCAM) para atuar nacionalmente e concomitantemente, em 1936,, o Instituto Oswaldo Cruz desenvolveria a vacina contra a Febre Amarela.

O DNERu foi decisivo para espetaculares vitórias sanitárias brasileiras, entre elas, no enfrentamento com o Aa. Em 1953, ano da criação do Ministério da Saúde, o país considerava o Aa ERRADICADO, isto é extinto. Em 1955 observadores internacionais, e certificação pela OPAS, confirmavam que o Brasil está livre do mosquito; assim acabava a Febre Amarela urbana, e o risco potencial de Dengue, que grassava no Caribe e outros países próx mos, mas nunca, aparentemente, chegara ao país.

Lamentavelmente, como nos Estados Unidos a Febre Amarela não era problema, a OPAS não conseguiria a erradicação do Aa nas Américas.

Não por menos, Leônidas Deane, na década de 70, identificaria o Aa em Belém. A hipótese mais aceita é que entrou com pneus contrabandeados das Guianas. Em 1978 teria chegado ao Rio de ja neiro, mas o silêncio sobre más notícias no período autoritário, esconderam a verdade. E m 1980/81, ocorreria  a primei ra epidemia de Dengue no Brasil, em Boa Vista. E em 1985/86, introduzida por trabalhadores de um circo que veio da Venezuela eclodia  no Rio de Janeiro e se espalharia por onde já estava disseminado o Aa, ou seja por todo o país.

FOCO NA MÍDIA
A democracia emergente veria na educação, o melhor instrumento de combate. Mas os níveis educacionais da população eram muito baixos e a escolaridade também. Os serviços podiam fazer a luta contra os focos extradomiciliares e dentro das casas a tarefa ficaria para as famílias, através do incentivo da mídia.

Assim foram tratadas todas as epidemias de Dengue desde 86. E todas as vezes a estratégia foi cantada e saudada como vitoriosa: o surto foi contido um ou dois anos depois! Sempre também foram desmentidos pois a cada cinco anos nova epidemia surge. Os ciclos da doença são exatamente iguais aos do Caribe na década de 70.

Ainda que seja verdade que a erradicação do Aa possa ser considerada quase impossível com o desenvolvimento no modelo econômico que tivemos até os dias de hoje e que níveis baixos de infestação não impeçam a transmissão de Dengue, não há a mínima possibilidade de considerar a metodologia de mudança comportamental para o controle do mosquito bem sucedida, depois de 30 anos.

O que estaria faltando? No entre surtos epidêmicos a atenção vai se diluindo, perdendo importância o combate ao Aedes, frente á dura vida cotidiana da classe trabalhadora e daqueles marginalizados e periféricos aos setores pulsantes da vida participativa da sociedade. De outro lado, a quantidade de problemas da saúde afasta os serviços de saúde da possibilidade de manter o foco necessário nessas fases mais amenas da transmissão da dengue. A pergunta seria: como no passado foi possível manter o foco a ponto de se ter conseguido a erradicação, se ambas as perspectivas educacionais e sanitárias eram piores?

O desmantelamento da SUCAM é a resposta mais óbvia. A falta de planejamento a longo prazo e a dificuldade do órgão coordenador pelas ações, a SVS - Secretaria de Vigilância à Saúde do Ministério da Saúde, em sincronizar as atividades entre instituições estaduais e municipais heterogêneas que lutam com grandes precariedades formam e conformam uma realidade distante do mundo ideal da medicina sanitária.

FOCO NA TECNOLOGIA
A tecnologia social - a democracia e a educação - seriam os instrumentos fundamentais mas insuficientes no Brasil real. Nesse ambiente a mídia assume papel preponderante, porém por sua abrangência de massa não leva em con ta aspectos pedagógicos micro­ regionais e de grupos sociais para dar permanência e induzir comportamentos sem estímulo continuado.

Nas biotecnologias, não temos ainda muitas opções bem estabelecidas. Essas são tecnologias capazes de "atravessar" conflitos recolocando as tensões em outro patamar ou ambiente - como é o caso das vacinas efetivas, que costumam simplificar o trabalho sanitário.

Apesar dos recursos tecnológicos de todo o mundo disponíveis, a vacina para a Dengue ainda pode ser considerada em teste. A primeira delas em fase de registro, por suas características, não será eficiente para debelar surtos.

Tecnologias voltadas para o controle de insetos, além do saneamento ambiental e domiciliar, estão em estudo. Desde a aplicação de Aa geneticamente modificados concorrentes para influir na dinâmica populacional  do Aedes, até a que o impede de transmitir a doença sem modificar a população dos mesmos. Também larvas infectadas que não gerariam as formas aladas são utilizadas.

A ZICA EM FOCO
A introdução da Zika no Brasil e as características da patologia que causa, acenderam um alarma mundial sobre a necessidade de estudar melhor tanto a doença que causa, como o vírus, em si, e acelerar ações mitigadoras da epidemia em curso.

Não é demais acentuar o grave problema que estamos enfrentando com consequências dramáticas para famílias e altos custos sociais e governamentais no futuro próximo. Bem mais sérios do que a própria Dengue ou a recentemente importada Chicungunya.

Tanto o vírus como a enfermidade no formato que aqui chegou são absolutamente desconhecidos. Estamos aprendendo  tudo a partir de agora. Sem essa aprendizagem deixaremos o futuro a sabor do acaso.
A SCTIE (Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos) do Ministério da Saúde, conjuntamente  com o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação e seus órgãos priorizarão seus investimentos no combate ao Aa e às flaviviroses q ue o mesmo transmite, focados na Zika.

Além de estudos já previstos, a SCTIE estimulará  o desenvolvimento de métodos diagnósticos,  medicamentos  antivirais, vacinas e o controle  do Aa  por  métodos populares  ou  inovadores. As PDPs originadas da experiência de Farmanguinhos para produzir antirretrovirais,  tornou-se  uma  política  industrial  pública  na  saúde e permitirá   a  incorporação  ao  arsenal  médico-sanitário  os  mais  modernos desenvolvimentos   tecnológicos.

É com otimismo e muito trabalho que vamos vencer esses desafios

Por Eduardo de Azevedo Costa, secretário da SCTIE