A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou, em março deste ano, que a doença causada pelo novo coronavírus, a COVID-19, se caracterizava como uma pandemia. Até 26 de abril, foram confirmados no mundo 2.804.796 casos de COVID-19 (84.900 novos em relação ao dia anterior) e 193.710 mortes (6.006 novas em relação ao dia anterior). O número cada vez maior de doentes tem levado também à busca acelerada por respostas para o enfrentamento da doença. Países do mundo inteiro têm investido em pesquisas científicas não só na tentativa de desenvolver novos medicamentos e até mesmo vacinas, mas também buscar, entre as alternativas terapêuticas já existentes, aquelas que podem trazer respostas e salvar vidas.

Se, por um lado, a globalização trouxe facilidades para disseminação da doença e concorrência no uso de insumos e equipamentos, por outro, trouxe também o acesso rápido a pesquisas que estão sendo desenvolvidas nas mais diversas unidades de saúde do mundo. Reunir essas informações e entender como cada país tem lidado com a pandemia é um passo importante para apontar possíveis caminhos para o enfretamento da doença no Brasil. Essa é uma das ações do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC), membro da REBRATS e colaborador do Ministério da Saúde, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento do SUS (PROADI-SUS), na elaboração das Diretrizes para Diagnóstico e Tratamento da COVID-19.

O documento, que objetiva  fornecer respostas rápidas para o enfretamento da doença, reúne evidências científicas das principais bases de dados em saúde do mundo. Inicialmente, foi elaborado para fornecer subsídios para o atendimento do próprio hospital, mas, frente à crescente demanda do SUS, o HAOC tornou-se parceiro em um trabalho mais robusto, que pretende reunir as principais recomendações no mundo para o diagnóstico e tratamento de pacientes com o novo coronavírus.

Para Haliton de Oliveira, Coordenador de Pesquisa da Unidade Avaliação de Tecnologias em Saúde (UATS) do HAOC, a elaboração desse documento é exemplo sobre como momentos como o que estamos vivendo ressaltam a importância do trabalho em conjunto entre pesquisadores em saúde. “A intensa produção de evidência sobre o assunto nos últimos meses nos impõe um acelerado ritmo de trabalho. Esse documento será atualizado periodicamente e, para isso, contamos com uma rede de outros parceiros. O trabalho em cooperação pode trazer maiores resultados”, pondera.

A elaboração dessas Diretrizes é uma iniciativa do Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias e Inovação em Saúde – DGITIS/MS, em parceria com o HAOC e com os Núcleos de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS) do Hospital Sírio-Libanês (HSL) e do Hospital Moinhos de Vento (HMV) e apoio da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).

A proposta é que o documento reúna recomendações, baseadas em evidências e enunciadas pelas principais organizações de saúde do mundo, para o atendimento no SUS. Conversamos com Haliton sobre o processo de elaboração dessas Diretrizes e sobre o trabalho do HAOC neste momento de pandemia, leia abaixo a entrevista.

 

Qual é o objetivo com a publicação das Diretrizes para Diagnóstico e Tratamento da COVID?

É cobrir os aspectos principais relacionados à COVID-19. Para isso, incluímos a descrição da doença, trazemos o panorama no Brasil e no mundo, os principais parâmetros para diagnóstico, casos suspeitos e confirmados. Reunimos evidências sobre possíveis tratamentos, características gerais para triagem, critérios para atendimento. Discutimos tecnologias ainda investigadas, como antivirais, medicamentos biológicos, antirretrovirais, entre outros. Trazemos, também, recomendações para populações específicas, como gestantes, pessoas que vivem com HIV, entre outros. É importante destacar que também tivemos a preocupação de, juntamente com o DGITIS, do Ministério da Saúde, elaborar orientações em conformidade com outras publicações da pasta relacionadas à doença, como o Protocolo de Manejo, as notas técnicas da ANVISA entre outros.

Quais são os principais desafios para esse trabalho?

Com certeza, quem já trabalha com ATS tem noção que lidamos com um cenário extremo nesse contexto de COVID-19. Temos um volume de publicação muito alto. Percebemos, inclusive, que as evidências existentes sobre algumas perguntas de pesquisas incluídas nessas Diretrizes têm praticamente dobrado de uma semana para outra. Entretanto, a robustez, ou seja, a qualidade desses dados é muito baixa. Claro, isso se deve ao fato de ser uma doença nova e, por isso, na maioria das vezes ainda sequer temos estudos realizados em humanos. O que temos, geralmente, são o que chamamos de estudos in vitroestudos feitos apenas em laboratórios. Pouquíssimas dessas recomendações têm estudos clínicos randomizados e, ainda assim, são estudos com amostras e análises pequenas. Acreditamos que ainda serão necessários alguns meses para publicação de evidências de melhor qualidade.

Como, ainda que nesse cenário de evidências de baixa qualidade, elaborar recomendações confiáveis?

Nós trabalhamos com a mesma metodologia para avaliação da qualidade das evidências – a metodologia GRADE –, utilizada, inclusive, por membros da Rebrats e na elaboração de outras Diretrizes pelo DGITIS. Vale mencionar que trabalhamos também com evidências de baixa qualidade no contexto de doenças raras ou doenças órfãs e, ainda nesse cenário, seguimos o rigor científico e elaboração de recomendações de qualidade. Essas Diretrizes, destinadas ao enfretamento da COVID-19, é um documento vivo. Ele está sendo atualizado quinzenalmente. Vamos para  quarta edição e, a cada nova publicação, trazemos o contexto do que foi atualizado e a prospecção de novas perguntas de pesquisa. Acreditamos que, com a evolução dos estudos, conseguiremos adicionar evidências de melhor qualidade, na medida em que essas forem publicadas. Vale destacar que fizemos também uma revisão sistemática das diretrizes publicadas no mundo e agências de saúde que são referência, como o NICE, da Inglaterra, e elas têm publicado recomendações bem similares a que elaboramos.

Como o trabalho de redes, inclusive nesse contexto da REBRATS, entre pesquisadores e unidades de saúde pode contribuir para respostas mais rápidas para esse cenário?

Bem, existe um movimento de hospitais no mundo inteiro para avaliar tecnologias no contexto da COVID-19. Nós, o Ministério da Saúde e parceiros, temos monitorado várias bases de publicação de ensaios e estudos e temos atualizado esse documento. Evoluímos de 12 perguntas de pesquisa iniciais para 21. A cooperação entre os NATS nesse momento é importante. Acredito que, em vez de produzir mais do mesmo, precisamos de grupos que olhem para o trabalho que tem sido feito e traga mais dados, preencha lacunas, traga evidências não contempladas. O mundo está unindo esforços e acreditamos no potencial brasileiro. Temos capacidade científica instalada, temos 21 laboratórios públicos de pesquisa. No contexto da REBRATS, temos uma rede de ATS, é momento para cooperação.

As Diretrizes poderão auxiliar no diagnóstico e tratamento em hospitais nos estados e municípios?

Nosso objetivo é que esse documento traga evidências e oriente o trabalho dos profissionais de saúde nas três esferas do SUS. Sabemos que nosso sistema atende diferentes contextos e que cada região tem sua peculiaridade. Por isso, acreditamos que publicamos um documento geral, mas que deve ser adaptado conforme a necessidade de cada estado e município. O que é importante, nesse momento, é que tenhamos documentos elaborados com critérios e recomendações científicas. Sabemos que outros NATS também estão trabalhando na produção de evidências e, novamente, o momento é de troca.

E como está o trabalho do HAOC nesse contexto de pandemia e isolamento social?

Em conversas com outros profissionais de saúde, acredito que nós temos vivido o mesmo cenário de uma carga muito maior de trabalho. Claro que o momento pede isso. Para elaboração dessas Diretrizes, por exemplo, fizemos reuniões virtuais com pessoas de várias regiões do Brasil. Sem sombra de dúvidas nossa produção aumentou enormemente. Claro que isso envolve rotinas de trabalho muito maiores, mas também entregas significativas, como pede esse contexto.

Acredita que a pandemia pode trazer aprendizados para quem trabalha com saúde?

Com certeza, o mundo não será o mesmo. Já agora podemos ver que, se por um lado, temos trabalhado muito mais, também observamos uma otimização do nosso tempo de trabalho. A internet tem possibilitado o compartilhamento de dados e o acesso à informação. Até nesse contexto, temos tido um cenário propício para cooperação. Acredito que, o principal ganho, está nessa compreensão que  as respostas para essa crise serão construídas coletivamente.


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